sábado, 3 de julho de 2010

A receita do MBA


Reunido com diretores, o presidente precisa tomar uma decisão vital para a empresa. Qual o melhor passo para a internacionalização dos negócios? Partir para a compra de lojas no exterior ou aguardar um cenário internacional mais favorável? Há argumentos a favor de uma opção e de outra, mas cabe ao presidente bater o martelo.

Dilemas como esse são a base dos cursos de MBA no mundo todo. A partir da leitura de histórias reais, os alunos têm, na sala de aula, de tomar a decisão no lugar do executivo. "O aluno tem dezenas de chances de quebrar empresas sem arcar com o prejuízo. Fica só com a reflexão", brinca o coordenador dos programas de MBA do Insper, Silvio Laban.

A internacionalização de uma empresa, como a Natura, a abertura de capital ou a relação de determinada companhia com seus distribuidores podem virar objeto de estudo. O sistema de manufatura da Toyota, por exemplo, é analisado até hoje como exemplo de sucesso - mesmo que no recente episódio do recall de veículos no mercado americano a fabricante de veículos tenha sofrido críticas de todos os lados.

"Um caso não tem só uma resposta certa. A discussão se desenvolve de acordo com o interesse didático e a experiência gerencial da turma", diz Victor Almeida, professor do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da UFRJ.

Escola de negócios mais famosa do planeta, a Harvard Business School é o berço da metodologia do estudo de casos, base de praticamente 100% do seu curso. Os cases sempre começam com a descrição da decisão a ser tomada, depois contam a história da empresa sob diversos pontos de vista e, por fim, voltam à cena inicial, com a pergunta: qual o caminho mais adequado a seguir?

"O modo como eles são escritos lembra um filme do Tarantino, que começa pelo final e, depois de dez páginas, retorna à primeira cena", conta o brasileiro Ricardo Reisen, pesquisador sênior de Harvard e um dos responsáveis pela produção dos cases usados em sala de aula - vários deles são depois vendidos a instituições do mundo todo.

Quando encontra uma boa história, Reisen procura a direção da companhia e pede autorização para frequentar o local por períodos de três a seis meses e entrevistar funcionários. "O acesso aos dados gerenciais é bem grande, e fica a seu critério o que fica dentro ou fora do caso." Como os cases se baseiam em situações já vividas, há um acordo tácito entre os alunos de não procurar saber qual foi a solução dada pela empresa ao problema.

A carga pesada de trabalho não incomodou Raphael Filizola, de 33, que estudou em Harvard de 2006 a 2008. "Foi muito produtivo. Acho mais interessante do que aula expositiva, é mais dinâmico. Você dá sua opinião, embasa com questões técnicas e começam as discussões", diz. "Vimos casos de todos os setores: manufatura, serviços, internet, finanças."

Nas discussões, os estudantes se dividem em grupos - Harvard, cujas salas lembram anfiteatros, tem cerca de 80 alunos por turma. Cabe ao professor mediar e direcionar o debate.

Na escola espanhola Iese, o esquema é parecido: o professor age como maestro. "Ele deve controlar a discussão, mas sem que notem que está manipulando o fluxo", diz a gerente do Iese Montse Delgado. Segundo ela, ao longo do MBA os alunos leem 640 cases, muitos deles produzidos por pesquisadores do próprio Iese.

No Brasil. A aplicação do "case method" no Brasil tem um peso menor que no exterior. Na maioria das escolas de negócio do País, o porcentual não passa de 70% da grade do curso.

De acordo com o diretor de Pós-Graduação da ESPM, Licinio Motta, há duas explicações. Em geral, os alunos não leem e analisam as apostilas antes das aulas, como ocorre lá fora. E, acima de tudo, a abordagem teórica já é uma cultura na educação brasileira. "É um hábito dos alunos, que querem o conceito, querem saber o que significa e explica aquela situação."

A supervisora de Trade Marketing da Electrolux, Luciana de Freitas, de 29 anos, aluna do MBA Executivo da ESPM, lamenta que seja assim. "Seria bom ter 90% de análise de situações reais", diz. "Mas muitos colegas já falaram na sala que têm essa necessidade de teoria."

Matriculada no MBA em Finanças do Insper, Patrícia Palomo afirma que o uso de casos intensifica a troca de experiências. "Ajuda muito a entender o dia a dia de diversos segmentos da economia. Trabalho no mercado financeiro e quando vejo casos sobre indústria ou varejo aprendo sobre problemas que vivo com intensidade menor."

Segundo coordenadores de escolas brasileiras, o uso de casos deve estar atrelado à estrutura dos cursos. Um programa de MBA para alunos com mais de cinco anos de experiência pode investir nele com mais ênfase do que um voltado para formados há menos de três anos.

O sucesso do modelo também depende do corpo docente. Professores despreparados limitam as possibilidades de aprendizagem. Coordenador da Pós-Graduação da Escola de Administração de Empresas da FGV, Alberto Luiz Albertin, visita Harvard regularmente para aperfeiçoar o trabalho com cases. "Um caso é um atalho para chegar a algum lugar. Não basta contar uma experiência."

A FGV foi uma das primeiras escolas brasileiras a criar bancos de casos escritos por seus professores. No Insper, essa prática existe desde 2006. A gerente de Tecnologia de Aprendizagem da escola, Marcia Deotto, diz que duas vezes por ano os professores propõem ideias para a produção de casos. "A empresa tem de autorizar e atuar junto no desenvolvimento. Mas isso não garante nada, porque ela pode não gostar do material e desautorizar seu licenciamento."

Apesar disso, alguns cases dependem pouco das empresas. Um bastante usado, sobre as lojas Mesbla, foi produzido só com reportagens. Outro exemplo está na mesa de Motta, da ESPM: um levantamento feito por alunos sobre o álbum de figurinhas da Copa do Mundo, que deve virar objeto de análise no MBA. "Foi algo muito interessante de mudança de comportamento do consumidor, de adultos e crianças."

Limitações. Para o professor do MBA de Inteligência Competitiva da Unirio José Augusto Wanderley, embora seja boa, a metodologia da análise dos casos tem limitações. "Os participantes discutem e tiram suas conclusões. Mas não vivenciam os papéis das pessoas relatadas no caso." Em suas aulas, Wanderley faz o que chama de "aprendizagem vivencial", simulando com os alunos os dilemas vividos pelos empresários. "Em Harvard o caso é estático."

O gerente do MBA executivo da Fundação Dom Cabral, Márcio Campos, vê outra limitação na importação dos casos. "Apesar de serem universais, falta "tropicalizar" situações."

Para João Villas, de 31, que concluirá MBA no espanhol IE em julho, o modelo seria melhor se mostrasse mais exemplos de fracasso. "A maioria dos casos fala de companhias que tiveram sucesso e autorizam a publicação dos cases."


Fonte: Agência Estado por Carolina Stanisci e Paulo Saldaña

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